As Redes da Rede

Breve artigo para a revista Marketeer n.º 152, de Março de 2009, a partir duma comunicação oral apresentada nas Jornadas de Comunicação do Departamento de Comunicação do INP sobre redes sociais e Web 2.0.

Marketeer n.º 152, de Março de 2009, pp. 46.47
Baseado numa comunicação oral apresentada nas Jornadas de Comunicação do Departamento de Comunicação do INP sobre redes sociais e Web 2.0, Lisboa, INP, a 16 de Janeiro de 2009.

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Foi com os blogs que ganhou ímpeto a possibilidade de fazer da
Internet uma nova ágora, um espaço onde todos podiam ser autores e ter um
público, mas tal concepção viria a revelar-se prematura. Com raras excepções,
cerca de seis anos passados depois da sua popularização, as leis da oferta e da
procura têm vindo a aprofundar o fosso entre os líderes de opinião — que, em
não pequena parte, têm na web uma extensão da sua presença nos meios
clássicos — e a grande massa de diletantes. Poucas dúvidas restam; as suas
potencialidades enquanto meio many to many viram-se abafadas pelo modelo
de difusão: a elite é assiduamente lida por muitos, a maioria — a long tail
— é lida apenas por meia dúzia de amigos.

Reconheça-se, contudo, que serviram para lançar de novo a semente, isto é —
passe a alusão ao Padre António Vieira –, o «evangelho» que incentivara Sir Tim
Berners-Lee a conjugar a linguagem HTML e o protocolo HTTP para criar a World
Wide Web. Como afirmou há cerca de dois anos, numa

entrevista-podcast para a IBM
, o conceito subjacente à WWW «was all
about connecting people». Não há dúvida de que esta sempre o fez, mas
tendencialmente de forma assimétrica — como o demonstram as múltiplas
distribuições em «lei de potência» (de ligações, de utilizadores, etc.). A
chamada «Web 2.0» — poder-se-á dizer que os blogs são a «Web 1.5»? —
veio dar um outro alento a essa pulsão conectora. Depois do e-mail, que
pressupõe (excepções feitas ao spam e às newsletters) a
reciprocidade entre emissor e receptor mas está vocacionado para ligações entre
indivíduos singulares, e da primeira vaga da web, onde acabou por
prevalecer esse modelo aristocrático de difusão que faz da grande maioria meros
consumidores, há toda uma escala de possibilidades intermédias que agora se
renova, relembrando as promessas de há perto de década e meia, data da
massificação do acesso à Internet.

Das inovações técnicas que o permitiram, além do óbvio aumento da
largura de banda, destacamos duas. Antes de mais, o desenvolvimento de formas
mais ricas de interacção entre servidores e clientes, em particular o AJAX (Asynchronous
JavaScript and XML), que facilitam a replicação (por enquanto ainda com algumas
limitações) de funcionalidades anteriormente reservadas ao desktop: o
Google Docs ou o
Zoho, por exemplo, permitem, sem que seja
necessário sair do browser, processar texto, trabalhar com folhas de
cálculo e outras tarefas similares, com a vantagem de se poder partilhar com
outros utilizadores, e em tempo real, a edição de documentos. Em segundo lugar,
de forma ainda mais ubíqua e imperceptível, os feeds (em RSS ou Atom),
cuja subscrição permite receber actualizações de conteúdo de sites e
blogs
, evitando a permanente consulta aos locais de origem, e que, por
descartarem o conteúdo da respectiva forma (o layout visual), podem ser
recombinados, nomeadamente nos chamados mashups.

Mais interessante do que esmiuçar cada uma destas novas funcionalidades é
identificar os seus usos, quase invariavelmente dotados de atributos
socializantes. De resto, abstraindo-nos dessas técnicas e do respectivo papel na
transição para a «Web 2.0», a outra forma de descrevê-la e de compará-la com a
«geração» anterior consiste em reconhecer a primazia da dimensão social. É
inegável a originalidade do YouTube ou do
Flickr, assim como o seu papel na
democratização do vídeo e da fotografia, mas o respectivo impacto seria reduzido
se os conteúdos não pudessem ser republicados (por exemplo num blog) ou
tão-só comentados. De modo inverso, os fóruns e os newsgroups, que aliás
antecedem a WWW, há muito que promovem a criação de pequenas redes em torno de
interesses comuns. Mas se antes apenas alguns desses usos mereciam o adjectivo
«social», essa é agora uma característica omnipresente. Um dos mais antigos
serviços de blogging, o Livejournal (criado em 1999), foi também pioneiro
nessa tomada de consciência, promovendo redes de «amigos» cujos blogs
possuíssem temáticas comuns. A maior parte dos chamados sites de «redes
sociais» surgirá pouco depois, entre 2002 e 2005, retomando essa lógica duma
entrada indiferenciada (todos podem inscrever-se, desde que acima dum limite
etário ou convidados por actuais membros), a que se segue uma diferenciação
interna (a selecção de grupos de interesse pode vir depois, e é opcional). A
lógica vê-se aliás expandida, pois estas redes sociais permitem que cada
utilizador personalize o seu perfil e lhe adicione uma míriade de sub-aplicações
que potenciam a interacção: jogos, questionários, fotos, músicas, vídeos,
feeds
de outros serviços…

Vá-se lá saber porquê — talvez pela mesma não-razão que deu ao
Orkut similar estatuto no Brasil –, a rede
social dominante em Portugal é o Hi5, mau
grado o modo algo intrusivo como (a não ser que se saiba como alterar as
predefinições) consulta a lista de contactos dos novos inscritos para enviar
convites. Nos Estados Unidos, onde dominava o
MySpace
— e, com as devidas adaptações e a ritmos diferenciados, também no
resto do mundo –, o Facebook vai
conquistando uma posição de domínio, porventura devido à sua maior sobriedade
(no layout, na presença de publicidade, na estratégia de conquista de
utilizadores). Qualquer que seja a rede de eleição — e quantos não estarão
inscritos em diversas –, há contudo uma tendência comum, da qual não há sinais
de abrandamento: a de assumir estas redes como uma espécie de vida paralela.
Muito mais do que no universo a 3D chamado
Second Life
, pois aí sabemos estar a representar uma personagem, fazemos
desse local um repositório, em actualização constante, da nossa actividade na
web
. Partilham-se fotos e vídeos, links, obsessões, estados de alma,
por vezes diluindo as fronteiras entre o que é público e o que outrora
recusaríamos a fazer sair da esfera privada. Como o prova qualquer
busca no Google ao
próprio nome
(a chamada «vanity search»), essa vida online
começa, inadvertidamente, a definir-nos tanto ou mais do que a offline: a
nossa reputação precede-nos; é necessário que dela façamos bom uso.

 

 


© Jorge Martins
Rosa




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Texto: 26/Jan/09
Actualização: 28/Out/09

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